A Epistemologia genética na perspectiva do
Jean Piaget
A Epistemologia genética defende que o
indivíduo passa por várias etapas de desenvolvimento ao longo da sua vida. Para Piaget, a
aprendizagem é um processo que começa no nascimento e acaba na morte. A
aprendizagem dá-se através do equilíbrio entre
a assimilação e a acomodação,
resultando em
adaptação. Segundo este esquema, o ser humano assimila
os dados que obtém do exterior, mas uma vez que já tem uma estrutura mental que
não está "vazia", precisa adaptar esses dados à estrutura mental já
existente. Uma vez que os dados são adaptados a si, dá-se a acomodação. Para
Piaget, o homem é o ser mais adaptável do mundo. Este esquema revela que nenhum
conhecimento nos chega do exterior sem que sofra alguma alteração pela nossa
parte, ou seja, tudo o que aprendemos é influenciado por aquilo que já tínhamos
aprendido.
De acordo com as possibilidades de entendimento construídas pelo
sujeito, ele tende a assimilar idéias, mas, caso estas estruturas não estejam
ainda construídas, acontece um esforço contrário ao da assimilação. Há uma
modificação de hipóteses e concepções anteriores que vão ajustando-se àquilo
que não foi possível assimilar. É o que ele chama de acomodação,
onde o sujeito age no sentido de transformar-se em função das resistências
colocadas pelo objeto do conhecimento. O desequilíbrio é portanto fundamental,
pois, o sujeito buscará novamente o reequilíbrio, com a satisfação da
necessidade, daquilo que ocasionou o desequilíbrio.
A inteligência para Piaget se constrói na medida em que novos
patamares de equilíbrio adaptativo são alcançados. Piaget concluiu sua obra
explicitando qual o motor pelo qual este equilíbrio se processa, mas além
disto, Piaget estudou exaustivamente a gênese das estruturas cognitivas nas
crianças da sua comunidade. Piaget aborda a inteligência como algo
dinâmico, que decorre da construção de estruturas de conhecimento que, enquanto
vão sendo construídas, vão se instalando no cérebro. A inteligência portanto,
não aumenta por acréscimo e sim por reorganização. Para ele o
desenvolvimento da inteligência é explicada pela relação recíproca existente
com a gênese da inteligência e do conhecimento. Piaget criou um modelo
epistemológico com base na interação sujeito - objeto. Pelo modelo
epistemológico o conhecimento não está nem no sujeito, nem no objeto, mas na
interação entre ambos. (isso é muito importante, é a idéia central de sua
obra)
B) CONCEITOS IMPORTANTES EM SUA OBRA:
Esquemas: seqüências bem definidas de ações física
ou mental (ex.: sucção, sacudir)
Princípios
gerais (pilares de sustentação do desenvolvimento cognitivo de todos os
estágios):
- Organização: envolve a interação de todos os processos em
um sistema global (ex.: segurar e olhar o brinquedo ao mesmo tempo). Tendência
a criar sistemas que agrupam todo o conhecimento sobre o mundo.
-
Adaptação: ajustamento ao meio ambiente, equilíbrio entre acomodação e
assimilação. (Ex.: jogo simbólico).
- Assimilação: incorporação de novos objetos e experiências
a esquemas existentes (ex.: bico do seio / bico da mamadeira / chupeta)
- Acomodação: modificações de esquemas como resultados de
novas experiências, ou seja: mudanças em estruturas cognitivas existentes
- Equilibração: esforço para conseguir equilíbrio cognitivo.
Cada criança tem um comportamento adaptativo porque ela modifica
os esquemas em respostas ao ambiente. Na infância as atividades motoras dão
origem a pensamentos (operações mentais).Analisando os períodos descritos por
Piaget podemos concluir que existe uma lei de desenvolvimento que determina
toda a evolução do indivíduo. O desenvolvimento é uma equilibração progressiva,
uma passagem contínua de um estado menor de equilíbrio para um estado de
equilíbrio superior, onde cada estágio é caracterizado pela aparição de
estruturas originais, cuja construção o distingue dos estágios anteriores.
Piaget e a teoria dos estágios cognitivos (Operacional Concreto
e Formal):
C) Pensamento operacional concreto (7 a 11 anos):
A criança pode raciocinar logicamente sobre coisas e eventos que
elas percebem.
Entre 7
e 11 anos entendem princípios lógicos e os aplicam às situações concretas
(visíveis e reais).
Tornam-se pensadores mais sistemáticos, objetivos, científicos
(e educáveis).
Pré-operatório: intuição e percepção = “talvez a lagarta
tenha sentido vontade de virar borboleta” Percepção subjetiva.
Operacional: explicações racionais, coerentes e
generalizações “Será que a lagarta usa a temperatura do ar para saber que é o
momento de começar a sair do casulo?”
Pré-operatório: perguntam “por que” mas rejeitam respostas
que não gostam.
Operacional: “por que” e quer saber.
Usam regras de jogo (discutem regras)
Três
princípios lógicos:
-
Identidade
-
Reversibilidade
-
Reciprocidade
Operações Concretas: as crianças desenvolvem a capacidade de
pensar logicamente sobre o aqui e agora, mas não sobre abstrações.
Este
período recebe o nome de “operações concretas” porque as ações físicas passam a
ser interiorizadas (ocorrem mentalmente).
[no período anterior precisava da ação física para elucidar o problema
proposto]
[neste período, a criança olha e mentalmente resolve o problema]
.
Declínio do egocentrismo intelectual
-
Crescente incremento do pensamento lógico
-formação
de esquemas conceituais (verdadeiramente mentais)
-a
realidade passa a ser estruturada pela razão
-julgamento
conceitual (não depende da percepção):
.
conservação
.
reversibilidade (pode reverter uma transformação) = descentralização
. há,
portanto, “agrupamento” (sistemas).
“agrupamento”
(Piaget):
-
organização lógica entre os elementos (relações reversíveis)
- leis que organizam e
regulamentam a utilização dos esquemas conceituais (adquirem coerência).
. A tendência lúdica do pensamento [real e fantástico se
misturavam] é substituída por uma atitude crítica (ou seja: há necessidade de
explicar logicamente suas idéias e ações, não tolerando mais contradições no
pensamento)
. Compreensão lógica e adequada da realidade (percebe-se como
indivíduo entre outros: um elemento de um universo que passa a ser estruturado
pela razão).
. Há declínio da linguagem egocêntrica (até paulatinamente seu
desaparecimento). A linguagem se torna então socializada.
. O desenvolvimento social (é paralelo) e significativo:
percebe
que outras pessoas tem pensamentos, sentimentos e necessidades diferentes dos
seus.
. Flexibilidade mental – entende regras de jogos.
. Julgamentos morais: tendência para interiorização: as
intenções do sujeito passam a ser consideradas.
Limite: as operações realizadas se referem a objetos que existem
completamente na realidade.
Os estímulos para o desenvolvimento intelectual está na vida
cotidiana: o jogo simbólico é coletivo (tentativa de representar a realidade)
- ligação forte com o
real
- evolução dos jogos –
7/9 anos : seguem as regras aprendidas
10/11 anos: consentem em mudar as regras
-
grupo de amigos : caracterização – presença do mesmo sexo (aprendizagem de
ser homem e mulher) / cooperação genuína, trocas de idéias.
Pensamento: um dos aspectos centrais da adaptabilidade do homem
ao meio.
Inteligência
é “Uma organização adaptativa, cuja função consiste em estruturar um
universo tal como o organismo estrutura o meio imediato”
- sua natureza é
evolucionária.
- “equilibração
progressiva, passagem contínua de um estado menor de equilíbrio para outro de
equilíbrio superior” (Piaget)
- “a vida é, sem dúvida,
uma criação contínua de formas cada mais complexas e o estabelecimento de um
equilíbrio progressivo entre essas formas e o meio” (Piaget)
- conquistar o equilíbrio
é função da inteligência.
D) Operações Formais (4º estágio piagetiano)
: 11/12 anos à idade adulta
Característica:
operações no plano das idéias (sem necessitar de manipulação ou referências
concretas) = raciocina abstratamente
Os adolescentes se tornam conscientes de como o mundo poderia ser
Aquisições:
-
capacidade de lidar com conceitos de liberdade e justiça (especulações
teóricas, científicas, morais, valorativas e ideológicas)
-
criar teorias sobre o mundo (refaz seu mundo, cria novos sistemas filosóficos,
reforma as ciências)
- capacidade de reflexão
espontânea (refletir livremente)
- tirar conclusões de
puras
hipóteses
Livre
exercício de reflexão:
- (1º momento:)
o adolescente submete o mundo real aos sistemas e teorias que seu pensamento é
capaz de criar.
- (2º momento:)
concilia pensamento com a realidade: entende que a principal função da reflexão
não é contradizer mas prever e a interpretar a experiência.
Relações
sociais:
1) inicialmente, fase de
interiorização (aparentemente é anti-social)
- o adolescente se afasta
da família mas o alvo de sua reflexão é a sociedade (sempre analisada como
passível de ser reformulada e transformada)
2) posteriormente,
equilíbrio entre pensamento e realidade
- compreende que a
reflexão serve para uma atuação no/sobre o mundo.
Exemplo:
alguém com problema em matemática pensa, inicialmente, em tirá-la do curriculum
escolar; posteriormente, propõe soluções mais viáveis, considerando as
exigências sociais.
Afetividade:
- o adolescente vive
conflitos: quer independer-se do adulto mas depende dele.
- Grupo de amigos: é seu
referencial (uso de vocabulário, vestimentas e aspectos de seu comportamento)
- Começa a estabelecer
sua moral individual (referenciada à moral do grupo)
Estabilidade
de interesses: acontece com a proximidade da vida adulta.
Conforme Piaget o início da formação da personalidade acontece
entre 8/12 anos (período das operações concretas), quando se dá a organização
autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade. Estes aspectos
subordinam-se num projeto único e pessoal, exteriorizando-se através da
construção de um projeto de vida.
Projeto
de vida (ou trajetória existencial): norteará o indivíduo em sua
adaptação ativa à realidade (preparação e inserção no mundo do trabalho),
ocorrendo equilíbrio entre o real e os ideais do indivíduo.
Os conflitos, dúvidas e
atitudes imprevisíveis, próprios à personalidade do adolescente, são parte de
um sistema mais amplo. Na visão de Piaget, a aquisição de uma nova habilidade
mental – como as operações formais – provoca no adolescente um período de
desequilíbrio, em que o mundo é captado pelo sujeito primordialmente através da
assimilação egocêntrica (que se manifesta por uma crença ilimitada na
capacidade de reflexão de atuar como instrumento de transformação da
realidade).
Os jovens pensam e repensam sobre os mistérios do mundo, criando
soluções que revolucionarão tudo até então visto.
“messianismo”:
termo empregado por Piaget para caracterizar a adolescência: “o comprometimento
do jovem em relação a uma determinada causa é integral”.
Ocorrência de paixões: ama-se por amar (ama-se a forma e não o
conteúdo / ama-se a fantasia, não a realidade).
Individualidade:
a percepção que tem agora de si afirma sua individualidade (que inclui em seu
plano de vida a transformação da sociedade). A sociedade lhe parece injusta e
desprezível, e nela ele não tem lugar.
Interação
com outros jovens (e outros projetos de vida): volta-se para o outro. Idéia:
trabalhar conjuntamente na reformulação da existência. O contato com a
sociedade se torna fundamental, é preciso ganhar acesso, influência e poder
para modificá-la.
O egocentrismo do adolescente é positivo: fundamental para que a
personalidade do adolescente se desenvolva plenamente; e aos pouco harmoniza-se
com a realidade.
Quanto
à idade da vida adulta:
- atualmente, o período
da adolescência é cada vez maior.
- Nenhuma nova estrutura
mental é estabelecida nesta idade, apenas acontece o aumento gradual do
desenvolvimento cognitivo, permitindo maior profundidade e compreensão dos problemas
e das realidades que o atingem (influenciando os conteúdos afetivo-emocionais e
sua forma de estar no mundo).
Se pensarmos no sucesso ou fracasso do rendimento intelectual de cada aluno
numa sala de sexta-série do Ensino Fundamental percebemos que há um grande
dilema sim...
Há os que conseguem acompanhar uma aula de História com vários conceitos
difíceis até para o professor transmitir, sem grandes dificuldades (segundo
Piaget já estão na fase das operações formais), mas outras, não tem a
facilidade de pensar em relacionar fatos que marcam nossa História atual com
processos históricos do passado, nem conseguem projetar sua própria história de
vida para os acontecimentos do futuro (estão ainda na fase das operações
concretas). O professor convive com esses problemas diariamente em sala de
aula...
Já identifiquei e destaquei no início dessa pesquisa esses dois estágios de
desenvolvimento cognitivo da criança, mas ainda é necessário tentar
explicar, quais as diferenças entre a Fase Operacional Concreta e a Fase
Operacional Formal, pois assim posso identificar numa aula de demonstração
sobre os “Antecedentes da Revolução Francesa (1789-1799)”, as crianças que se
encontram numa ou noutra fase de desenvolvimento, com o propósito de pensar
como posso (através de uma metodologia de trabalho diferenciada) chegar mais
próximo de um rendimento homogêneo. Então, vamos ao que interessa?
“ A criança operacional concreta não apresenta a abrangência, o
poder e a profundidade do raciocínio da criança mais desenvolvida. O raciocínio
e o pensamento formal cognitivo emergem das operações concretas, da mesma forma
que cada novo nível de pensamento incorpora e modifica os pensamentos
anteriores. O pensamento formal tem como propriedades estruturais ser
hipotético-dedutivo, científico-indutivo e reflexivo-abstrato”. (WADSWORTH, Pg.
109)
No período Formal, a criança passa a pensar os fatos e
acontecimentos usando processos lógicos. A abstracção “aparece” e passa a
funcionar como novo instrumento a auxiliar a forma de pensar da criança, o
pensamento neste momento vai além do concreto. Além do uso da linguagem, a
criança, portanto, passa a possuir novos elementos, novas ferramentas: A Lógica
e a Abstracção, além de também apresentar o domínio da Reversibilidade. Essa
passagem também é marcada pela capacidade de operar com o raciocínio
Hipotético-dedutivo, tendo a possibilidade de raciocinar de forma a estabelecer
relações entre o passado, o presente e o futuro, o que lhe permite o plausível
enquanto hipótese, premissa, podendo ou não ser verdadeira.
A criança nessa fase conquista também a
possibilidade de operar com os raciocínios científico-indutivo e reflexivo-abstracto. Embora não seja algo fácil, passa a alcançar pelo uso do
primeiro, usando efetivamente a razão, efectivas generalizações (do particular
para o geral) a respeito dos fenômenos ou fatos observados e ainda reverter
(Reversibilidade) esse processo, ou seja, permitindo-lhe ir do geral para o
particular.
